Oi oi, você aí!
Na minha terceira newsletter, eu queria agradecer você novamente por acreditar que sairia algo de interessante daqui desde o início. Talvez, daqui 30 postagens (tomara que eu chegue lá!), você olhe pra trás e pense: “nossa, eu fui uma das primeiras pessoas que assinou“.
Provavelmente ainda será uma das únicas pessoas que assinou, mas como você vai ficar sabendo? Touché.
Enfim, o assunto do ESESSE #3 vem desse vídeo que vi no Bluesky:
"Why would you move to New York if you don't want to talk to people?"
— Gayracula (@gayracula.bsky.social) 2025-11-10T12:57:17.147Z
No vídeo, um homem entrevista uma mulher no metrô de Nova Iorque que fala como ela gosta de ouvir as histórias de pessoas aleatórias quando vêm puxar papo por causa de seu cachorro. O entrevistador, incrédulo, tenta enfatizar o absurdo da situação, incluindo a mulher escolher pessoas na rua para fazer um elogio ou comentar alguma coisa.
Absurdo. Sim. Eu mesmo arrepio só de pensar em conversar com pessoas assim do nada. Quanto menos contato com o mundo, melhor. Mas, ei, essa não é a questão. A questão é estranhar que exista pessoa assim ainda, ilustrada pela reação do entrevistador.
Aí eu me pergunto: por quê? Por que uma simples ato de abertura e honestidade é recebido com risada e desconforto?
Para responder, terminei voltando uns milhares de anos no tempo.
O cinismo nasce de Antístenes, discípulo de Sócrates, e não tem muito a ver com o sentido vulgar da palavra hoje. Ele propôs a filosofia como um guia de vida virtuosa, em que se abdica de padrões morais e socioculturais para um existência mais natural, como seria a de um cão — daí a origem do nome.
Explicando em termos modernos, o cinismo nasceu como “rejeite a humanidade, regrida ao macaco“.

Mas a evolução filosófica do termo criou uma curiosa inversão de significado. A resistência à moralidade criou, dentro do pensamento, uma vertente de autodenominação do que é a forma natural como se deve viver. O culpado foi Epicteto, que disse, em termos da época: ser cínico é cagar regra e rejeitar a felicidade — escrito exatamente assim em suas notas, em português.
Com o tempo, o cinismo se tornou uma paródia de si mesmo. Hoje, é visto como uma força de desprezo sobre qualquer coisa que pareça minimamente honesta e inofensiva. Uma ideia de que nada que acontece foge de motivações morais forçadas e, por isso, tudo deveria ser tratado como não genuíno.
(Essa, claro, é minha interpretação do termo, longe de ser perfeita. Devo declarar para fins legais que não sou um filósofo grego e nunca tive relações interpessoais com um)
Nos últimos anos, o cinismo dominou as redes sociais por completo. Um pensamento de que toda interação com outras pessoas, conteúdos, informação e arte são artificiais. O próprio ato de compartilhar ou absorver experiências é moralmente corrompido em sua gênese, sem nenhuma chance de ser percebido como natural.
Não dá para negar que, hoje perpetuadores do cinismo, começamos como vítimas. É muito difícil não ser cínico na internet porque, de fato, muita coisa é artificial nela. Chegamos no ponto que é até difícil saber se estamos trocando ideias com uma pessoa ou uma IA generativa.
Mas isso não quer dizer que não podemos abandonar o cinismo de vez em quando. Exige mais esforço, mas o vídeo ali em cima é uma amostra disso. Diante da reação cínica do entrevistador, que trata as interações da entrevistada como absurdas e impossíveis, ela se mantém perfeitamente segura de si mesma.
Relações naturais ocorrem em um mundo artificial. Afinal, as pessoas ainda são pessoas (a maioria delas). Não importa quantas camadas de rede estejam entre nós. Um exemplo disso é a reação ao vídeo, um sentimento positivo em massa. Apostar em conversas genuínas, gostar de coisas apenas por gostar, sem se preocupar com o que vão dizer, é uma resistência ao cinismo moderno.
Na verdade, se a origem do cinismo está no afastamento de padrões morais artificialmente compartilhados, o maior cínico hoje seja aquele que não tem medo de expressar emoções e buscar conexões com outras pessoas.
[Música]
Para manter a positividade perante o cinismo, queria indicar hoje uma artista japonesa que gosta muito de fazer músicas apreciando coisas ordinárias no dia a dia.
Em Ginger, por exemplo, TOMOO compara uma pessoa a um gato laranja, livre e desajeitado. Ou em Grapefruit Moon, em que ela descreve o encontro do calor do asfalto com a brisa gelada do início da noite.
Mas a música que vou indicar é minha preferida dela. Lucky não apenas tem essa contemplação do ordinário como é acompanhada de uma produção perfeita para ouvir num sábado ou domingo de manhã, enquanto prepara o almoço. Fique com Lucky!
[Cinema]
Semana passada, comentei sobre ter finalmente lido Frankenstein, Ou O Prometeu Moderno, de Mary Shelley. Contei que a quebra da minha expectativa pela história me fez sair dele fascinado.
Pois é, alguns dias depois, minha expectativa foi novamente quebrada, mas no sentido inverso.
A versão de Frankenstein de Guillermo Del Toro é daqueles filmes que eu já vou querendo dar 5 estrelas antes de ver e tenho que ser convencido, durante ele, a baixar a nota. O trailer lindo, a produção perfeita, os atores, o diretor, tudo gritava um filme daqueles marcantes pra vida.
Infelizmente, não foi o caso. Talvez, se eu não tivesse lido a obra original antes, teria uma opinião diferente. Ou se já fizesse tempo e eu não tivesse os detalhes tão frescos na cabeça.
Esta newsletter já tá enorme, mas eu queria elencar pontos que me decepcionaram:
SPOILERS A SEGUIR ↡
Mudanças de personagens
Eu até entendo o corte de personagens, como a morte precoce do pai e o melhor amigo de Victor. Mas a adaptação para amarrar a trama sem eles presentes não entregou tanto assim.
A elevação de Willian ao que seria o papel de Clerval não entregou o laço de amizade entre Victor e Henry e nem estabeleceu bem a ligação entre os irmãos — que praticamente não existe no livro. Tentaram, mas não se aprofundou o suficiente para funcionar.
Outro exemplo é a introdução de um rico excêntrico que busca a cura para a morte. Um elemento jogado de roteiro, apenas para entregar uma torre sombria a Frankenstein.
Por outro lado, Elizabeth foi um acerto pra mim. Meu xará conseguiu dar à personagem um peso e uma agência que não existem no material original. Lá, ela é apenas uma motivação. Aqui, é um contraponto à visão de Victor sobre sua criação.
A eletricidade
Uma das minhas maiores surpresas ao ler Frankenstein foi a forma como Victor dá vida à sua criatura: sem muitos detalhes, falando muito mais sobre componentes químicos do que choques elétricos. Imagino que essa imagem tenha vindo de filmes e outros materiais posteriores, mas agora queria muito ver uma interpretação diferente.
Pelos trailers, achei que a cena teria um toque mágico e estranho que Del Toro costuma dar à suas obras. No entanto, o resultado final é o mesmo “dar um choque muito forte“ de sempre.
As crinjadas que dei
Em dois momentos, o roteiro é tão literal que eu mal acreditei. O primeiro é quando o mecenas de Victor o chama de Prometeu. O segundo é quando seu irmão William diz com todas as palavras: você é o monstro, Victor. Precisava? Não precisava.
Enfim, vendo esses três pontos, fica claro uma coisa: o problema é muito mais da expectativa que botei no filme do que dele mesmo. E é um filme excelente, tá? Dei 4 estrelas lá no meu Letterboxd, nota que não dou com tanta frequência assim.
Mas, poxa, onde eu falaria dos meus problemas com o filme que esperei tanto ver baseado inteiramente nas minhas picuinhas senão aqui? Fica o testemunho.
[Finalmentes]
Por enquanto, é isso! Muito obrigado por acompanhar a newsletter e, se quiser, siga e me acompanhe nas redes, além de dar uma chance pros meus livros!
Até a próxima!
Guilherme L. A. Pimenta

